Cidades

Sucesso nas redes sociais, jornalista lança site para denunciar destruição e abandono do patrimônio arquitetônico

Por Antônio Martins Neto
Editor do Mundo Possível

Não há calçada esburacada, lixo no meio do caminho ou calor que impeçam o jornalista piauiense Josué Nogueira de andar pelas ruas do centro do Recife.

Tem sido assim desde 1986, quando o então estudante deixou Corrente, no Sul do Piauí, para morar na capital pernambucana, mais precisamente no bairro da Boa Vista.

Josué Nogueira mora há 30 anos no Recife e há pouco mais de um ano e meio criou a página no Facebook. Foto: acervo pessoal
Josué Nogueira mora há 30 anos no Recife e há pouco mais de um ano e meio criou a página no Facebook. Foto: acervo pessoal

Ao longo de três décadas, Josué concluiu o ensino médio, cursou a universidade e construiu uma bem-sucedida carreira no jornalismo, com passagens pelos principais jornais da cidade.

E nunca mais deixou o bairro, por onde ainda hoje faz tudo a pé.

A cada passo, ele testemunha as alterações no traçado de ruas e avenidas, o abandono da região central da cidade e a desconstrução de uma arquitetura própria do século XX.

E se espanta com o que vê.

Como bom repórter, sentiu a necessidade de registrar e compartilhar o que encontra pela frente.

Surgiu então a página Antes que Suma, no Facebook, que com pouco mais de um ano e meio no ar já soma mais de 12.600 seguidores.

Agora, a experiência desse amante da arquitetura e do patrimônio histórico do Recife será compartilhada também em site próprio.

A página Antes que Suma, iniciativa do jornalista em parceria com a empresa de conteúdo digital Paradox Zero, será lançada às 19h00 deste sábado, 27, na Casa de Máquinas, na Torre.

Está sendo uma evolução natural, de algo que nasceu de uma preocupação genuína do autor com o desaparecimento dos casarões da Boa Vista.

“Tem muita coisa sendo derrubada e a ideia inicial era fotografar e contar um pouco da história desses imóveis, apenas para registro, para que no futuro as pessoas pudessem saber como era a vida no centro da cidade”, conta Josué.

O que era um espaço para documentação, acabou por virar uma espécie de tribuna para quem quer ver a cidade preservada, com denúncia, lamento e protesto.

“Eu tinha uma ideia muito discreta, mas ganhou uma dimensão muito maior do que eu pensava”, completa o jornalista.

Apenas uma foto

O primeiro post do Antes que Suma no Facebook foi ao ar no dia 20 de novembro de 2014.

A foto, sem texto, mostrava um casarão na Avenida João de Barros. Quarenta e oito pessoas curtiram e duas comentaram.

Um mês depois, a página já tinha dezenas de publicações e pelo menos mil seguidores. Desde então, os posts foram visualizados, comentados, curtidos e compartilhadas por milhares de pessoas. Gente que quer debater, denunciar e mandar foto.

A mais popular das publicações, com 113 mil visualizações, traz foto e texto sobre a mansão na Avenida Rui Barbosa construída em 1847 pelo comerciante inglês Henry Gibson e que ainda hoje pertence à família do empresário Jorge Amorim Baptista da Silva, morto em 2015, que durante décadas foi dono do antigo banco Banorte.

“Para mim, todos esses prédios são um documento do comportamento humano. Me interesso pelo significado de cada detalhe das casas, cada material usado. O azulejo, por exemplo, chama sempre muita atenção e comove muita gente”, diz.

Segundo o jornalista, muitos arquitetos e designers costumam entrar na página e acabam por contribuir com informações, enriquecendo o debate.

Já os colegas de profissão encontram no trabalho de Josué temas e exemplos que volta e meia acabam nas páginas impressas e eletrônicas dos jornais locais.

Cidade derrubada

Apesar de se encantar com o que encontra pela cidade, o jornalista lamenta a derrubada indiscriminada dessa memória arquitetônica do Recife, produto de uma especulação imobiliária predatória, retrógrada e míope.

O assunto está em pauta nos últimos anos, em especial depois dos protestos contra o projeto Novo Recife, que prevê a construção de 12 edifícios no Cais José Estelita.

Inspiradas no movimento #OcupyWallStreet, as manifestações deram origem ao movimento #OcupeEstelita, que ganhou apoio nacional e internacional.

“As pessoas ficaram muito atentas a esse debate. Recife tem isso na pauta. É uma cidade muito adensada, não tem por onde crescer, as construtoras querem construir e pouca coisa é preservada”, analisa.

“Por outro lado, não há incentivos para os donos manterem os imóveis antigos”, diz.

Andar e encontrar

Além da Boa Vista, Josué Nogueira também garimpa suas relíquias em outros bairros da cidade.

Há posts sobre imóveis em Setúbal, Boa Viagem, Casa Forte e Casa Amarela, por exemplo.

De tanto andar, criou até uma secção na página, identificada pela hastag #Sóvêquemvaiapé.

Nela estão curiosidades e pontos de interesse para quem gosta de gastar sola do sapato e aguçar a sensibilidade do olhar diante do que a cidade tem de mais precioso.

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